“Desejo uma Feliz Páscoa a todos os cristãos, e Chag Pessach
Sameach (Feliz Páscoa) para todo o povo judeu. Deixo aqui o meu presente de Páscoa: o texto mais bonito, pensado, sentido e escrito por Frei Beto." Vereador Renatinho(PSOL)
Feliz Páscoa
por Frei Betto *
Entro nessa Quaresma sem
fantasia, disposto às abstinências que resgatam, no mais íntimo de mim mesmo, a
minha verdadeira identidade.
Calarei a língua ferina e não
macularei a fama alheia exposta em público no varal de minhas cordas vocais.
Não darei ouvidos a
inconfidências, nem ao ruído ensurdecedor das palavras vãs de quem só escuta a
própria voz. Fecharei o olhos para ver melhor e abrirei as janelas à revoada
dos anjos.
Contemplarei as montanhas ocas
de minha terra e derramarei uma lágrima por seus úteros arrancados e sonegados
ao meu povo.
Nesta Quaresma, riscarei de
meu dicionário o vocábulo competitividade e com aquarelas de utopias gravarei
no coração solidariedade.
Irei ao encontro de quem ainda
luta por direitos animais: comer, beber, educar a cria e abrigar-se das
intempéries. Só assim costurarei minha humanidade esgarçada.
Jejuarei da ânsia consumista e
ofertarei meu supérfluo tão necessário ao próximo.
Abrirei a janela do carro e
afagarei as crianças de rua, filhos de minha imobilidade frente a tantas
injustiças.
Pagarei, com juros, a minha
dívida social. Farei de Jesus parceiro de aventuras e deixarei que o seu
Espírito engravide o meu.
Buscarei o silêncio orante e
meditarei para inebriar-me da espiritualidade do conflito.
Adotarei o Sermão da Montanha
como estatuto pessoal e acertarei meus passos nas trilhas de Gandhi, Che
Guevara e Luther King.
Arrancarei toda erva daninha -
ciúme, inveja, ira - do canteiro de meus amores e cultivarei copas frondosas de
quaresmeiras coloridas de ternura.
Serei perdulário com o bom
humor e espalharei alegria como o ar que nos é dado a respirar.
Nesta Quaresma, participarei
da Campanha da Fraternidade e direi não às drogas - as que me consomem horas de
vida no cuidado envaidecido de meu corpoe as que me aprisionam no medo de lutar
contra as iniquidades.
Desfraldarei a bandeira de
minha indignidade e revelarei esperanças que, olhos no futuro, me fazem acreditar
num belo horizonte.
Peregrino solitário e
solidário, irei às fontes do Transcendente.
Ao encontrar meu próprio poço,
mergulharei como um menino em suas águas profundas, até que o Pai de Amor me
acolha em seus braços, dando-me de beber o vinho pascal do homem novo.
*Frei Betto é escritor, autor
de “Treze contos diabólicos e um angélico” (Planeta), entre outros livros.
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