sexta-feira, 24 de junho de 2011

ESTADO DE EXCEÇÃO

Benedito Barbosa, da Central de Movimentos Populares
foto: Rafael Werkema

"As obras para realização dos megaeventos estão, literalmente, passando em cima das comunidades e dos direitos dos/as cidadãos/ãs" 

"A realização desses megaeventos deveria deixar um legado sociourbano e socioambiental positivos para as cidades que abrigam tais eventos e, principalmente, para a sociedade, de modo que sejam garantidos os direitos humanos, civis, políticos, sociais, culturais etc. Entretanto, o que temos visto é uma imposição do Poder Público e dos comitês promotores dos eventos de um 'estado de exceção', que permite a flexibilização das leis e suspensão de direitos, antes e depois dos jogos. E os segmentos sociais mais atingidos são aqueles historicamente excluídos: moradores/as de assentamentos informais, moradores/as em situação de rua, trabalhadores/as informais etc.", explica Benedito, mais conhecido como "Dito".

Segundo ele, em todo o país, no âmbito da habitação, atrocidades vêm sendo cometidas contra a população mais pobre, inclusive nas cidades que sediarão a Copa do Mundo. Por isso, é preciso ficar atento/a às ações que estão por vir. "Em São Paulo, fotografaram e pintaram marcas nas casas dos moradores/as que seriam removidos/as ou despejados/as, isso sem qualquer aviso ou negociação. Tudo na base da truculência, da ameaça e da intimidação. Uma violação absurda dos direitos dos/as cidadãos/ãs", denuncia. 

Durante o Seminário de Capacitação, foi distribuído o Documento da Articulação Popular Nacional pela garantia dos direitos humanos no contexto dos megaeventos, que faz uma análise crítica da questão. "Até agora não é evidente que o legado da Copa e das Olimpíadas contribua para ampliação de direitos sociais, econômicos e ambientais. Ao contrário, a falta de diálogo e transparência dos investimentos aponta para a repetição do que ocorreu durante os Jogos Panamericanos de 2007, quando assistimos ao desperdício de recursos públicos (de acordo com o Tribunal de Contas da União – TCU – mais de R$3,4 bilhões foram gastos de forma indevida, mas ninguém foi punido) em obras superfaturadas que se transformaram em elefantes brancos e, tão ou mais grave, o abandono de todas as 'promessas' que geraram expectativas na sociedade de algum 'legado social'", diz trecho do documento. 

Documento da Articulação Popular Nacional pela garantia dos Direitos Humanos, no contexto dos Megaeventos 
A realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016 é a oportunidade de gerar investimentos que reduzam as desigualdades sociais, com a promoção de melhoria das condições de vida da população brasileira. Mas o que assistimos em nome da realização destesMegaeventos Esportivos é a violação de direitos humanos e sociais. Enquanto os governos, organizações internacionais (FIFA, COI) e empresas envolvidas na promoção dos eventos anunciam os possíveis benefícios, a experiência internacional das cidades e países onde já houve a realização de megaeventos demonstrou que os impactos gerados não significaram melhorias reais nas condições de vida e na ampliação dos direitos de toda a população, sobretudo das pessoas mais pobres e vulneráveis.
Em muitos casos, estes megaeventos têm gerado efeitos negativos sobre diversos segmentos sociais, especialmente sobre aqueles que historicamente são excluídos/as, como: moradores/as de assentamentos informais, migrantes, moradores em situação de rua, trabalhadores/as sexuais, mulheres, crianças e adolescentes, comunidades indígenas e afrodescendentes, vendedores/as ambulantes e outros trabalhadores/as informais, inclusive da construção civil. As remoções e os despejos forçados destes grupos sociais são as violações mais comuns no Brasil e em outros países sede de megaeventos.

Seus efeitos perversos são particularmente ampliados através da imposição do Poder Público e comitês promotores dos eventos, de um verdadeiro “estado de exceção”, instituído especialmente no contexto dos jogos, que permite a flexibilização das leis e suspensão dedireitos antes e durante os jogos, ameaçando, assim, os mecanismos de defesa, proteção social, garantia e promoção de Direitos Humanos.
Já está prevista a quantia de R$ 24 bilhões de recursos públicos (10 vezes o orçamento do Ministério dos Esportes em 2011) nas obras das 12 cidades sedes: Fortaleza, Recife, Natal, Salvador, Manaus, Cuiabá, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre. Além deste dinheiro, foi aprovada isenção de impostos para as construtoras dosestádios e dos campos de treinos nas outras cidades que atuarão como apoio à Copa, recebendo as seleções. Ora, por que não isentar de impostos a cesta básica dos/as trabalhadores/as?
Até agora não é evidente que o legado da Copa e das Olimpíadas contribua minimamente para a inclusão social e ampliação de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Ao contrário, a falta de diálogo e transparência dos investimentos aponta para a repetição do que ocorreu no período dos Jogos Panamericanos de 2007, quando assistimos ao desperdício de recursos públicos (de acordo com o TCU, mais de R$ 3,4 bilhões foram gastos de forma indevida, mas ninguém foi punido) em obras superfaturadas que se transformaram em elefantes brancos e, tão ou mais grave, o abandono de todas as “promessas” que geraram na sociedade, expectativas de algum “legado social”.
Se forem contabilizados os recursos investidos para a construção de equipamentos para Copa e Olimpíadas, o país poderia diminuir o déficit habitacional, ampliar o acesso aos serviços urbanos básicos, promover melhorias socioambientais, programas de trabalho e renda, investir na saúde pública e na educação. Além disso, poderia construir uma política esportiva que promovesse o esporte amador, além do esporte de alto rendimento e não beneficiar quem faz do esporte,fonte de acumulação de poder e de riquezas.
Neste sentido, apontamos a urgência de mobilizar uma ampla rede de organizações sociais e movimentos populares, sindicatos, órgãos de defesa de direitos e controle do orçamento público, com protagonismo das comunidades direta e indiretamente afetadas para monitorar as intervenções públicas e privadas e articular ações integradas em torno das seguintes pautas e agendas:
1. Participação / Consultas Públicas: As ações e obras propostas no âmbito dos megaeventosdevem ser objeto de amplas consultas e audiências públicas, e os posicionamentos e recomendações definidos nesses espaços devem orientar as ações, garantindo a efetiva participação popular.
2. Transparência e acesso à informação: Os planos, projetos, cronogramas, convênios, contratos e ações promovidas no âmbito da Copa e Olimpíada devem ser de domínio público.
3. Orçamento: Os orçamentos devem ser publicizados e sua execução acompanhada pelasociedade civil. Nenhuma política social, urbana e ambiental pode sofrer cortes em função danecessidade de direcionar recursos para as obras relacionados aos Jogos.
4. Direitos trabalhistas: A construção das infraestruturas e equipamentos, bem como todos os serviços relacionados aos jogos devem respeitar os direitos trabalhistas, possibilitar a inclusão na formalidade do maior número possível de trabalhadores e não perseguir ou criminalizar ambulantes e trabalhadores/as informais.
5. Despejo ZERO na realização da Copa e Olimpíada: Para a realização das obras e doseventos não devem ocorrer remoções e despejos forçados. Os megaeventos devem realizar obras que prioritariamente proporcionem melhoria na qualidade de vida das pessoas, principalmente, daquelas que se encontram em situação de desigualdade social, garantindo o direito à moradia e o direito à cidade a todos e todas, respeitando a legislação nacional e as recomendações e tratados internacionais.
6. Não a outras violações de Direitos Humanos: As ações de segurança e intervenção urbanística devem respeitar os direitos humanos, com a intenção de melhorar a realidade urbana e as condições de vida de populações vulneráveis como moradores/as de assentamentos informais e cortiços, mulheres, crianças e adolescentes, trabalhadores/as informais, comunidades indígenas e afrodescendentes, população em situação de rua, artistaspopulares, dentre outros.
7. Legado social e Ampliação de direitos: O saldo final dos investimentos e políticas de incentivos praticados para viabilizar os megaeventos deve ser de um legado socio-urbano e socioambiantal positivo para toda a sociedade de modo que sejam ampliados os direitoshumanos, civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais Para tanto, deve ser construído um Plano de Compromisso em diálogo com as organizações não governamentais, movimentos sociais e comunidades afetadas.
8. Repúdio à “cidade de exceção”: A realização das obras deve observar e aplicar os princípios que constam no Estatuto da Cidade, na Constituição Federal e nos tratados e acordosinternacionais, permitindo, assim, a construção de cidades justas, democráticas, sustentáveis e inclusivas e a garantia de direitos historicamente conquistados, além de evitar o endividamento externo e o subsídio às grandes empresas.
9. Em Defesa de uma política esportiva e cultural: Cultura e esporte são elementos essenciais na formação das pessoas. Toda cidade deve ter um amplo projeto de incentivo à cultura populare ao esporte comunitário. Buscar a integração da saúde, educação e lazer. Defendemos projetos populares e de longo prazo, com investimentos na base em todas as áreas do esporte e da cultura.

Copa e Olimpíadas: vamos jogar limpo! 
Participação, transparência, controle social e conquista de direitos!

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