"Não me dão pena os burgueses vencidos.
E quando penso que vão me dar pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os olhos.
Penso em meus longos dias sem sapatos nem rosas.
Penso em meus longos dias sem abrigos nem nuvens.
Penso em meus longos dias sem camisas nem sonhos.
Penso em meus longos dias com minha pele proibida.
Penso em meus longos dias."
(“Burgueses”, de Nicolás Guillén)
Nicolás
Guillén é um poeta maior. Poeta e revolucionário. Quando essas duas coisas se
juntam numa só pessoa, virtudes das mais nobres entre as outras, temos aqueles
raros: os imprescindíveis. Teoria e prática, intelectuais e homens de ação.
Guillén, Ernesto Cardenal, Marti... Pensei muito em Guillén na última segunda-feira
(5). Perseguido tantas vezes na ditadura de Fulgêncio Baptista, voltou para
Cuba depois da saída do tirano. E quando alguns de seus algozes foram presos,
perguntaram a ele o que sentia. Respondeu com o poema "Burgueses",
(com trecho acima reproduzido).
Lembrei-me
de Guillén ao ver o governador do Rio acuado, em tom choroso, pedindo
ternamente, feito um menino indefeso, que os manifestantes deixassem de fazer
seu legítimo protesto próximo a casa dele. Não teve o pudor em poupar o nome e
a idade dos filhos para alcançar seu intento. Já não tivera pudor para botar os
filhos no helicóptero do amigo empreiteiro da Delta. Mas crianças são crianças
e sempre nos tocam. Por algum momento, tal qual o poeta, pensei que iam me dar
pena. Por algum momento, pensei em considerar seus argumentos.
Mas tal
qual o poeta, apertei bem os dentes e fechei bem os olhos. Pensei nos filhos de
Amarildo, o pedreiro da Rocinha que sumiu depois de ser visto pela última vez
nas mãos dos servidores de Cabral, símbolos da política de segurança do
governador. Tal qual o poeta, pensei nos longos dias da mulher e dos filhos de
Amarildo. Sem camisa nem sonho, com a pele proibida...São tantos Amarildos
nesse Brasil onde pobres não tem sapatos nem rosas nem tampouco direitos.
Muitos no Rio de Cabral, que nunca pensou no filho de nenhum deles.
Tal qual o
poeta, pensei nos longos dias das famílias da Maré, dos trabalhadores
assassinados sem qualquer razão. Cabral ainda não falou sobre eles. Poderia
lembrar de tantos outros como os da Maré. Pensei nos longos dias das pessoas
vítimas de crimes forjados, prática tão comum por aqui, mais ainda com a
política de Cabral.
Pensei nos
meninos da Escola Friedenreich. Alguém há de me lembrar que ela é municipal.
Não esqueci. Mas está saindo para que o governador melhor sirva seus amigos que
ganharam o Maracanã. Tal qual o poeta, pensei nos longos dias sem abrigo nem
nuvens daqueles meninos. Alunos de uma escola de excelência, forjaram ouro no
meio do nada. Imaginem o trauma desses meninos quando souberam que iam sair
dali. Cabral pensou neles?
Pensei de
novo nos versos citados do poeta, dos dias sem abrigo nem nuvens (que imagem!),
das vítimas das remoções criminosas de todos aqueles que estão no caminho dos
"grandes eventos". Quão longos e traumáticos devem ser os dias dos
meninos que têm um "X" desenhado na porta da casa humilde, indicando
que ela será posta abaixo. Cabral pensou neles? Alguém novamente lembrará que
muitas dessas remoções são municipais. A força que dá o pé na porta é estadual.
E afinal, seria ser muito idiota da objetividade achar que @sergiocabralrj e
@eduardopaes são tão diferentes assim.
Pensei nos
longos dias dos meninos que iam pelos braços dos pais na geral do Maracanã.
Viam o jogo na “carcunda” dos pais, naquele ritual que todo homem sonha, o rito
da passagem. Agora exclusivo dos que podem pagar o setor vip. Do Maracanã ferida que não fecha, como definiu tão bem Pedro
Motta Gueiros. Destruído por Cabral rasgando a lei. Destruído com aval do
Instituto do Patrimônio Histórico
Nacional (Iphan) na calada da noite, como agem aqueles que não são
transparentes. Ele mesmo que agora diz não ser um ditador. Ele mesmo que
publicou o decreto 44.302/2013, da CEIV, Comissão Especial de Investigação de
Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, que rasgava a Constituição. Quem
rasga a Constituição é o que? O governador de tantos atos de exceção.
Por sorte,
a sociedade civil e todos seus instrumentos se fizeram representar e vêm
forçando essa recuada do ditador que sonhou ser, acuado, patético como todo
ditador acuado. Espécie de Sadam Hussein no buraco, Kadafi na manilha. Ele,
Cabral, desnudo em sua patética biografia que vai se desmilinguindo. Que há
poucos dias tirou os mesmos manifestantes abaixo de pauladas e gases, sem pensar
nos filhos deles, na calada da noite. Agora, na fragilidade do buraco e da
manilha onde os ditadores se esvaem, apela para um discurso emocional.
Mesmo
pensando em nossos longos dias, não deixaremos de pensar em duas crianças. Que
não pediram isso. Oxalá possam lá na frente superar o trauma do pai ter deixado
tal obra. Realmente elas nada têm a ver com tudo isso. Não precisam ver que na
esquina do pai deles falam um monte de verdades sobre ele. Ainda bem que tem a
opção nesses dias de sair dali. Ir por um tempo para o Palácio das Laranjeiras.
Ou quem sabe para a Mansão de Guaratiba. Talvez não dê mais para ir de
helicóptero, abateram o governador-voador, o do reino do guardanapo, em plena
farra aérea. Mas ainda dá para passar uma temporada longe dos protestos na
mansão comprada com o suor do trabalho do pai deles. Desejo isso do fundo do
coração. Crianças não têm mesmo que passar por isso.
Lamento
apenas que os filhos do Amarildo não tenham palácios ou mansões para onde
correr. Lamento apenas que os filhos da Maré não tenham para onde correr.
Lamento apenas que os meninos que iam na “carcunda” do pai na geral do Maracanã
não tenham para onde correr. Lamento apenas que os filhos dos removidos não
tenham para onde correr. E então, "quando penso que vão me dar pena,
aperto bem os dentes e fecho bem os olhos". Pela certeza de que os
acampamentos seguirão. Até que se preste conta de tudo. E para que se saiba que
foi longe demais na farra.
PS- Se
botar um pouquinho a cabeça para fora do buraco ou da manilha, o governador vai
ver que as pessoas passam pelos acampados buzinando, abrindo a janela dos
carros, gritando palavras de força. Para aqueles acampados pacificamente, vale
dizer. E que os vizinhos, que poderiam estar incomodados, levam refeições,
agasalhos. Pelo menos se pouparia de perder tanto tempo pensando em teorias da
conspiração, manipuladores. É apenas a conta de tanto desmando que chegou. É
aquela turma da "pele proibida" que veio cobrar a conta.
Nota dos Editores:
Discordamos da forma como o autor caracteriza
as prisões e assassinatos de Sadam Husseim e Muamar Kadafi pelo imperialismo,
como se as invasões armadas ao Iraque e à Líbia tivessem tornado o mundo
"mais seguro" ou as populações dos dois países "mais
livres" sem eles. De toda forma, é o único "arranhão" em um
correto e contundente artigo sobre o governador do Rio de Janeiro.
(Secretariado Nacional do PCB).
*Texto publicado no site do PCB.
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