quarta-feira, 6 de abril de 2011

Não dá pra esquecer e colocar pra baixo do tapete! Fora Jorge; chega de lama!

Hoje, completamos um ano de Luto e  Luta pelos que morreram soterrados e pelos que vivem ainda sob os escombros do descaso,  incompetência, irresponsabilidade e abandono que assolam a nossa cidade. Para essas pessoas a tragédia não terminou!


Crime e Castigo


“uma permanente indagação do homem diante de seu destino”


O Crime


“O crime foi o de ser pobre. Só tínhamos ali para morar. Os anos passaram e, aos poucos, construímos nossas casas. Veio a rua asfaltada, condução e escola. Quem podia, abria um pequeno comércio, um passatempo pra pagar as contas de luz e água. Choveu uma chuva fina, chuva que fica. Chuva que encharca. Choveu três dias. Parou. Lembro que saí para trabalhar na quarta-feira com a umidade doendo nos ossos. À noite recomeçou. E BUMBA, aconteceu! Choveram lágrimas diante do absurdo do desmonte das nossas vidas. Do roubo das vidas que ficaram ali. Queria ter ficado também”.


O Castigo


“Quem conseguiu se salvar junto com geladeira, fogão, cama e colchão, não  pode levar para o abrigo. Vendeu na porta por uns trocados. Entrava só com a roupa do corpo, outra muda recém doada e, quando muito, com o colchonete doado nas escolas que nos abrigaram até virmos para cá. Cama, não pode! Brigamos, e daí se permitiu que os idosos dormissem nas camas.”
Melhor mesmo é não dormir. O pesadelo não acaba! Tão dizendo que vão acabar com a segurança do portão. Será? Quando consigo dormir, já é de manhã...


Visita, não pode! Só no portão.  


“Minha irmã trouxe um bolo, não pude fazer um café...”
“Não tenho vontade de ficar, mas também não tenho vontade de sair. E sair pra onde? Levar o quê? Se me pagarem o aluguel, durante quantos meses eu vou receber? Se eu conseguir arrumar uma casa, vou levar o quê? Será mesmo que vão doar alguns móveis? O seu Cabral falou que em Várzea os apartamentos foram mobiliados até com TV. Uns poucos, só pra inglês ver!  
“Pensa em tomar um café. Um cafezinho fresco, que faz toda hora quando se está em casa...


Não pode!


“Pensa na sopinha de legumes pro bebê, pra crianças ou para as avós...”


Não pode!


"Falei com a Comissão dos direitos humanos:  Antes, não havia fruta na alimentação. Depois da denúncia, tem uma banana para cada criança. Mas, só para criança. Nem mulher grávida pode comer. No almoço: Arroz, feijão, farofa, batata e almôndega com carne de soja. Um molho forte, ácido, feito de massa de tomate. No jantar: Arroz, feijão, abobrinha refogada e salsicha. Muita gente teve dor de barriga. Dias seguidos, o intestino prendia ou soltava.”
Criança no café e no lanche só toma Toddynho ou Fresh, suco de caixinha, com 70 ml, um pra cada.”
Pensa na conversa com seu marido, com sua mãe, sua filha. Pronto! Virou uma conversa de todo mundo!”


Dor de cabeça; Toma Doril! Se passar mal; vai pra UPA do seu Cabral!


“Ontem no ponto de ônibus na volta do trabalho, pensei em mim voltando pra casa.”
 Pensei:
“Se eu pegar o ônibus pra Viçoso, vou subir a minha rua e ver que tudo isso é mentira. Tá tudo lá conforme era antes! Vou subir a rua devagarzinho... Vou perguntar pro seu Chico se o Botafogo joga no domingo, daí faço uns croquetes pra tomar cerveja. Vou brincar com as crianças e procurar na bolsa uma bala e dar pra elas! De longe, vem a Bolinha, minha cachorrinha, já sentiu o meu cheiro e vem abanando o rabinho cotó! Bolinha, cadê você, minha cachorrinha? Quando ficou doente, eu prometi que ia cuidar dela... Pensando nisso, pra onde foram os cachorros, os gatos? Será que o Maurício salvou a cacatua? Meu Deus, pra onde foram os bichinhos?”


Os dias passam e o dinheiro do aluguel social não é para todos! Por quê?


“Eu já entreguei todos os meus documentos... O último foi o título de eleitor que eu tive que tirar de novo.


Só recebe aluguel quem vota em Niterói!


“Prova sua residência depois que a sua casa caiu! Por mim, tudo bem, nasci aqui mesmo. Mas, aquela gente de São Gonçalo, a moça do serviço social diz que eles têm que sair. Coitados, estavam morando no Viçoso tinha só dois meses. E Dona Maura, com cinco filhos não consegue alugar uma casa. Tá tudo caro, com 400 reais só se encontra quitinete, sem água e luz incluída. Depois, com as crianças, sem fiador e depósito... Vão mesmo é voltar pro risco!”
Começou de novo o zum-zum-zum...


Amanhã vão retirar a segurança! 

"Ontem carregaram o fogão e o freezer da cozinha!
Passo pelo portão e escuto:


Quem recebe aluguel social, tem que arrumar casa pra sair!

Respondo baixinho: Não recebi ainda nenhum... Gente ruim! Querem mesmo que a gente se apavore e saia daqui! Sair pra onde?
Ganhei uma geladeira, uma mesa e um armário, minha patroa me deu. Mas, vou ter que tirar de lá em um mês! Será mesmo que sai o aluguel social?
De hoje não pode passar. Vou ter que pedir pra Dona Verônica se ela pode me ajudar. Fico com vergonha de dizer que preciso de um fiador. Ninguém acredita nesse aluguel social por muito tempo... Nem eu!”

Relato de  ex-moradora do Bumba - Viçoso Jardim/ Niterói  - RJ
Sem- casa, Paula mora no abrigo do 3º BI,
 trabalha como diarista três dias por semana e ganha 560 reais por mês.
                            
Esse relato faz parte de uma coletânea de fatos vividos, registrados e escritos pelas mulheres vítimas das tragédias ocorridas em abril/2011.

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